sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Medo.

Passei tanto tempo da minha vida sentindo medo que hoje resolvi escrever sobre ele.
Eu percebo o medo da mesma maneira que percebo a prisão.  Existem vários conceitos para o medo e um deles é justamente o contrário do que isso que eu percebo.
Em sua concepção popular, o medo deveria ser um alerta pra nos livrar de algumas enrascadas. Eu, por exemplo, não sei nadar e quando vou à praia e chego perto das ondas, meu corpo já me emite sinais de que algo não está legal, de que dali pra frente não seria seguro pra mim, pois eu não conseguiria nadar, logo eu entendo o limite e evito acidentes ou traumas. Esse é um medo “bom”. Me tira de cena quando eu estou em perigo. Bem, este seria o medo considerado natural.
Acontece que a grande maioria das pessoas sente medo, mas não é este medo natural, na verdade muitas dessas pessoas nem sabem de onde aquilo vem. E este é o ponto.  É o medo adquirido. Eu não falo com embasamento psicológico, científico ou qualquer coisa que o valha. Eu falo com a propriedade da experiência.  São muitas as formas de adquirir o medo pelas mais diversas coisas ou situações, o problema é que isso acontece despercebidamente, quando menos se espera: BUM! Está lá! Instalado em você.
Muitos deles surgem na infância e esses momentos o teu cérebro faz questão de esconder de você justamente numa tentativa de proteção. Mas o medo fica. Uma pessoa tem um medo aterrorizante de ratos, por exemplo, porque quando criança, no primeiro contato com o bichinho, ainda sem saber o que era, ouviu a mãe gritando desesperadamente: “Mata esse bicho nojento, tira ele de perto de mim!”. Quem não adquiriria esse medo, não é? Era sua mãe gritando ora, então o bicho deve ser realmente terrível!
Em outros casos o medo pode ter surgido de experiências vividas na gestação. Uma mulher adulta treme de medo só de ver uma escada rolante e não faz ideia do motivo, mas um dia conversando com sua mãe, descobre que ela quando grávida, teve uma queda numa bendita dessas escadas e ficou muito traumatizada. Em resumo: você ainda era um mergulhador na placenta da mamãe, então obviamente não tem memórias disso, mas ainda assim você adquiriu, e o medo está lá.
Mas ainda pode ficar pior. Nós ao longo da vida vamos acumulando uma bagagem que às vezes traz sentimentos demais, responsabilidades demais, preocupações demais, expectativas demais, adiamentos demais, e tudo isso por escolha própria, negligenciando os próprios limites. Inevitavelmente o fardo fica pesado demais. E o nosso corpo, sábio como é, nos emite aqueles sinais nos dizendo que algo não está legal, mas agora o limite já foi ultrapassado e nós acabamos mergulhando nos acúmulos mesmo sem ter aprendido a nadar. É aí já não é mais medo. É pânico. Eis que você sai completamente de cena.
Se tornar prisioneiro do medo é uma das experiências mais desumanas possíveis, eu diria. Ninguém deveria passar por isso. O desejo de se libertar é a única coisa que passa na mente de quem é prisioneiro do medo. Mas libertar-se pode custar muito uma vez que é necessário primeiro saber de onde ele vem. Essa pode ser uma jornada bastante dolorosa na maioria das vezes, principalmente quando se descobre que quem colocou as correntes lá foi você mesmo.
A gente se acorrenta de várias formas: quando trazemos a responsabilidade do outro pra nós, às vezes só por não querer perder o controle; quando deixamos de reconhecer a necessidade de se pedir perdão ou de perdoar; ou quando adiamos rompimentos, seja com um relacionamento que não deu certo, com um emprego ou com aquela pessoa que se foi e dizer adeus custa muito.
De qualquer maneira, o peso dessas correntes é grande demais e já não há mais equilíbrio ou estabilidade. Fazer coisas rotineiras deixa de ser fácil porque, por ter ultrapassado os limites, sua mente e seu corpo se sentem constantemente ameaçados, acreditando que toda poça d’água é um oceano.
Mas ainda assim algumas pessoas acabam optando por viver acorrentadas, pois, confrontar o que aprisiona muitas vezes pode significar ter que abrir mão, deixar partir, admitir que errou, ter que voltar às bases e jogar fora aquilo que até então parecia ser alicerce... Enfim, algumas correntes parecem até convenientes.
E isso me remente a uma frase da Clarice Lispector que pra mim cabe muito bem:

 “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”



K.  ‎24‎-09-2014, ‏‎08:47 

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