Passei
tanto tempo da minha vida sentindo medo que hoje resolvi escrever sobre ele.
Eu
percebo o medo da mesma maneira que percebo a prisão. Existem vários
conceitos para o medo e um deles é justamente o contrário do que isso que eu
percebo.
Em sua
concepção popular, o medo deveria ser um alerta pra nos livrar de algumas
enrascadas. Eu, por exemplo, não sei nadar e quando vou à praia e chego perto
das ondas, meu corpo já me emite sinais de que algo não está legal, de que dali
pra frente não seria seguro pra mim, pois eu não conseguiria nadar, logo eu
entendo o limite e evito acidentes ou traumas. Esse é um medo “bom”. Me tira de
cena quando eu estou em perigo. Bem, este seria o medo considerado natural.
Acontece
que a grande maioria das pessoas sente medo, mas não é este medo natural, na
verdade muitas dessas pessoas nem sabem de onde aquilo vem. E este é o
ponto. É o medo adquirido. Eu não falo com embasamento psicológico,
científico ou qualquer coisa que o valha. Eu falo com a propriedade da experiência.
São muitas as formas de adquirir o medo pelas mais diversas coisas ou
situações, o problema é que isso acontece despercebidamente, quando menos se
espera: BUM! Está lá! Instalado em você.
Muitos
deles surgem na infância e esses momentos o teu cérebro faz questão de esconder
de você justamente numa tentativa de proteção. Mas o medo fica. Uma pessoa tem
um medo aterrorizante de ratos, por exemplo, porque quando criança, no primeiro
contato com o bichinho, ainda sem saber o que era, ouviu a mãe gritando
desesperadamente: “Mata esse bicho nojento, tira ele de perto de mim!”. Quem
não adquiriria esse medo, não é? Era sua mãe gritando ora, então o bicho deve
ser realmente terrível!
Em outros
casos o medo pode ter surgido de experiências vividas na gestação. Uma mulher
adulta treme de medo só de ver uma escada rolante e não faz ideia do motivo,
mas um dia conversando com sua mãe, descobre que ela quando grávida, teve uma
queda numa bendita dessas escadas e ficou muito traumatizada. Em resumo: você
ainda era um mergulhador na placenta da mamãe, então obviamente não tem
memórias disso, mas ainda assim você adquiriu, e o medo está lá.
Mas ainda
pode ficar pior. Nós ao longo da vida vamos acumulando uma bagagem que às vezes
traz sentimentos demais, responsabilidades demais, preocupações demais,
expectativas demais, adiamentos demais, e tudo isso por escolha própria,
negligenciando os próprios limites. Inevitavelmente o fardo fica pesado demais.
E o nosso corpo, sábio como é, nos emite aqueles sinais nos dizendo que algo
não está legal, mas agora o limite já foi ultrapassado e nós acabamos
mergulhando nos acúmulos mesmo sem ter aprendido a nadar. É aí já não é mais
medo. É pânico. Eis que você sai completamente de cena.
Se tornar
prisioneiro do medo é uma das experiências mais desumanas possíveis, eu diria.
Ninguém deveria passar por isso. O desejo de se libertar é a única coisa que
passa na mente de quem é prisioneiro do medo. Mas libertar-se pode custar muito
uma vez que é necessário primeiro saber de onde ele vem. Essa pode ser uma
jornada bastante dolorosa na maioria das vezes, principalmente quando se
descobre que quem colocou as correntes lá foi você mesmo.
A gente
se acorrenta de várias formas: quando trazemos a responsabilidade do outro pra
nós, às vezes só por não querer perder o controle; quando deixamos de
reconhecer a necessidade de se pedir perdão ou de perdoar; ou quando adiamos
rompimentos, seja com um relacionamento que não deu certo, com um emprego ou
com aquela pessoa que se foi e dizer adeus custa muito.
De
qualquer maneira, o peso dessas correntes é grande demais e já não há mais
equilíbrio ou estabilidade. Fazer coisas rotineiras deixa de ser fácil porque,
por ter ultrapassado os limites, sua mente e seu corpo se sentem constantemente
ameaçados, acreditando que toda poça d’água é um oceano.
Mas ainda
assim algumas pessoas acabam optando por viver acorrentadas, pois, confrontar o
que aprisiona muitas vezes pode significar ter que abrir mão, deixar partir,
admitir que errou, ter que voltar às bases e jogar fora aquilo que até então
parecia ser alicerce... Enfim, algumas correntes parecem até convenientes.
E isso me
remente a uma frase da Clarice Lispector que pra mim cabe muito bem:
“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
K.
24-09-2014, 08:47
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